O ponto de mutação: algumas leituras desse filme.
Prof. Izaias Resplandes
A grande mensagem do filme “O ponto de
Mutação” é que tudo no universo está interligado. Cada coisa depende de outra e
de outra e de outra. Tudo tem a ver com tudo.
A forma mecânica de compreender o mundo,
inaugurada por Descartes e Newton, prevendo que o todo seria compreensível a
partir da compreensão das partes, teve a sua importância no mundo da ciência,
mas já não responde às indagações deste século. A compreensão das partes não é
a mesma coisa que a compreensão do todo. Cada parte tem uma função particular,
mas essa função particular nem sempre leva à compreensão do todo, que deve ser
compreendido por si mesmo.
O cartesiano diria que para compreender o que
seja a árvore, seria necessário dissecá-la em suas partes: raízes, tronco,
folhas, seiva, frutos e etc.. No entanto, essa dissecação não permitiria a
compreensão da árvore como habitat de milhares de seres vivos que abrigam em
seus galhos, em suas raízes, em sua casca e em seus frutos. A árvore é um mundo
vivo. Ela transpira vida, a nossa vida, o oxigênio que nos garante a vida. Ela
inspira o gás carbônico do meu ambiente, mortal para nós, alimenta-se dele e
transpira o oxigênio, vital para os seres humanos. Que relação de intimidade a
árvore tem conosco! E não adiantaria nada dissecá-la, porque isso não nos
ajudaria em sua compreensão. Além de tudo, a árvore somente desempenhará essa
função quando interligada aos demais elementos do meio. Ela precisa daqueles
animais que vivem em suas raízes para desempenhar essas funções, ela precisa da
luz que vem de tão longe para auxiliá-la nessa missão. Certamente é mais
importante essa compreensão holística da árvore do que a compreensão de suas
partes.
Essa compreensão global se aplica a tudo.
Essa é a mensagem de “O ponto de mutação”.
“Nenhum santo se sustenta só”. Ninguém é uma
ilha. Todo homem é parte de um continente. O relógio registra um tempo
mecânico, mas o tempo não é mecânico. Cada hora é diferente de outra e a mesma
hora não se repete. A visão mecanicista que deu sustentação à construção do
pensamento científico já não serve mais. Podemos até repetir os resultados de
uma experiência anteriormente realizada, seguindo os mesmos passos, mas essa
experiência somente correspondeu àquele momento original. Ele não se repete
mais. As novas séries de experiências de mesma natureza são identidades
singulares; não são meras cópias daquela anterior. Descartes via o corpo como
se fosse uma máquina. Mas o corpo é muito mais maravilhoso do que a singeleza
cartesiana. Cada missão do corpo é uma aventura inédita com milhões de
variáveis agindo simultaneamente, sem que seja possível isolar as suas ações
para compreender os seus efeitos, porque os efeitos não se repetem. Tudo está
em constante mutação e cada construção é inédita.
O século XVII foi maravilhoso para sua época,
mas seu pensamento tinha limites. Não há uma repetição mecânica. O mundo existe
em redes, com tudo conectado com tudo. Todos os problemas existentes são partes
de uma mesma crise. A solução desejada deve ser uma solução global e não individual.
A visão de Heráclito é mais adequada do que a
visão de Cartesius. Precisamos de uma nova forma de ver as coisas. Uma que as
veja, não mais como isoladas umas das outras, mas que as vejam todas como partes
de um grande sistema. Só essa nova percepção sistêmica poderá nos ajudar a
avançar no conhecimento dos elementos em torno dos quais o mundo está a girar.
O mundo muda muito mais rapidamente do que a nossa capacidade de percebê-lo,
porque queremos ir para os detalhes, cuja soma das partes não é igual ao todo.
E ainda que fosse, quando terminássemos de conhecer todas as partes, o mundo
cujas partes analisamos já não existiria mais.
Precisamos de uma compreensão holística,
globalizante. Precisamos de um pensamento ecológico, que nos ajude a manter o
mundo inteiro e unido, interligado e coeso, ao invés de um somatório de partes
singulares e autônomas.
A vida é uma montanha de probabilidades e de
conexões. São essas conexões que dão sentido às coisas. Nós somos as partes de
uma inseparável teia de conexões. Estamos vivendo no meio de uma dança de
partículas, a todo instante criando e destruindo coisas. Enquanto vivemos,
nosso pensamento não deve ser no mundo ao nosso redor. Devemos pensar na sétima
geração que virá depois de nós e pensar no mundo que deixaremos para elas.
De um modo geral, os homens somente pensam no
entorno de seu próprio umbigo. É por isso que não conseguem compreender o
mundo. É por isso que os poetas e
ecologistas tem uma visão mais acentuada, porque não se prendem ao presente,
mas conseguem se projetar no futuro. E então sua visão se aproxima mais da
realidade em mutação constante.
A mensagem global de “o ponto de mutação” é
que todos devemos nos esforçar para mudar a nossa forma fragmentada de ver as
coisas, em prol da construção de uma visão de mundo que seja mais holística,
criativa e ecológica.