João de Souza. Nasceu em 05 de abril de
1943, no município de Campos Sales, Ceará. Filho de João Manoel de Souza e
Francisca Aurora de Alencar. É esposo de Sulene de Campos Rocha. Deixou sua
terra natal com menos de um ano de idade, vindo para Paraíso do Leste com o
segundo grupo de cearenses. O primeiro grupo viera em 1942/43. Nessa época,
Paraíso do Leste estava sendo objeto de um projeto de colonização do Governo de
Mato Grosso, então exercido pelo Interventor Cel. Júlio Muller e tinha por
objetivo povoar a região marginal da estrada Cuiabá-Goiás que estava sendo
aberta para promover a integração do Centro Oeste brasileiro.
Júlio Strübing
Müller foi o trigésimo-terceiro governador de Mato Grosso. Casado com Maria de
Arruda Müller. Foi governador do Mato Grosso, de 4 de outubro a 24 de novembro
de 1937 e, imediatamente após, interventor federal, até de 8 de novembro de
1945.
No relato de Antonio Hilário Aguilera Urquiza publicado
em: Tellus, ano 7, n. 12, p. 67-87, abr. 2007, Campo Grande – MS, sob o título “No
meio do caminho havia os Bororo: Jarudori-MT, a diáspora e reterritorialização”,
a região de Paraíso do Leste era
território Bororo, onde se encontrava instalada a aldeia Pobojári. Diz o
pesquisador que a partir de 1930, o estado de Mato Grosso criou diversos
núcleos de colonização para a ocupação de terras devolutas, entre as quais se
incluía as terras indígenas. Observa ainda, citando o pesquisador Evangelista
que, na década de 40, Mato Grosso foi o principal destinatário de uma campanha
do regime populista de Getúlio Vargas denominada Marcha para o Oeste, com a
qual se pretendia abrir uma nova fronteira: econômica, política, social, mas,
sobretudo ideológica (Evangelista, 1996, p.166).
Getúlio queria
tornar o interior do Brasil uma região habitada e produtiva economicamente. Para
ele, os índios bororos que habitavam a região leste de Mato Grosso constituíam
um entrave para a implantação dessa atividade política, por atacarem os
viajantes que trafegavam pela velha estrada Cuiabá-Goiás e também os ranchos
que se instalavam na região. Por isso precisavam ser neutralizados. Em seu
discurso no Palácio das Laranjeiras, pela passagem do ano de 1937, Getúlio propagava as vantagens “deste oeste rico
em recursos naturais e territoriais a serem conquistados”. A sua fala se dava,
principalmente, em face de que o processo de garimpagem de diamantes na região
leste de Mato Grosso estava em seus melhores momentos, incrementando sua
população. O oeste brasileiro era o novo eldorado brasileiro que estava a
espera dos desbravadores. Um paraíso à dos migrantes para ocupá-lo.
Argemiro
Rodrigues Pimentel, cearense de Crato, que desde 1934 circulava pelos garimpos
do leste mato-grossense, tomou conhecimento do projeto de colonização da região
poxorense e, “espertamente se pôs à
disposição de fazer o recrutamento de famílias cearenses que estivessem
dispostas a deixar o seu Estado e virem para o Estado de Mato Grosso, tão
grande, tão rico em terras férteis e tão pobre em mão de obra. (...) O
conterrâneo Higino Viana se propôs tornar-se seu lugar-tentente no recrutamento
de famílias, suas conterrâneas. Argemiro manteria os contatos com as
autoridades, programaria as viagens e as recepções dos migrantes, mas não
viajaria com eles. E assim aconteceu”. (SOUZA, João de. A Upenina. Juviniano Alencar Bezerra.
Poxoréu, MT, Outubro de 2011, n. 4, p. 77).
A família de
João de Souza, como todos os cearenses que vieram para a Colônia de Paraíso era
de origem agrária, com vocação para o plantio de subsistência. Ali produziriam
“muito arroz, milho, feijão, mandioca,
farinha e criaram pequenos animais como porco e galinha” ((SOUZA, João. Op.
Cit.).
É de observar,
no entanto, que a chegada dos primeiros cearenses a Paraíso do Leste foi
bastante traumática, principalmente em virtude dos dissabores da viagem, quando
foram acometidos por doenças que ceifaram a vida de muitos. O Paraíso da
chegada era infernal. Souza registra: “A
chegada ali foi um pesadelo e o que veio ao espírito de cada um dos migrantes
ali chegados foi o desespero, a desesperança e o sentimento de abandono. Nenhum
conforto, local precário para se abrigar. Ali foram simplesmente largados à
própria sorte. (...)Não havia o que comer. Os mosquitos ‘polvinhas’,
borrachudos, abelhas e outros insetos faziam nuvens. As mordidas dos mosquitos
causavam chagas, sobretudo nas crianças. Algumas morreram em conseqüência das
picadas. Muitas famílias desesperadas passaram poucos dias naquele lugar
inóspito a primeira vista e, não acreditando que naquele lugar, naquele momento,
pudesse haver condições de uma vida digna, foram embora em direção a Poxoréu ou
Lageado [Guiratinga]” (SOUZA,
João. Op. Cit.).
Todavia, em que
pesasse as dificuldades, muitos ficaram, lutaram e construíram um lugar
aprazível para se viver às margens do Rio Paraíso – na época bastante piscoso,
destacando-se as seguintes variedades de peixes: dourado, piau, surubim,
pintado, grandes jaús, piraputanga, pacu. Nas suas matas ciliares habitava um
rica fauna, destacando-se os seguintes espécimes: anta, capivara, paca, cutia,
catete, queixada, onça. Esses animais foram caçados e serviram de alimentação
aos primeiros colonos.
O povoado de
Paraíso do Leste foi elevado à categoria de distrito pela Lei nº 681, de 11 de
dezembro de 1953, nove anos após a chegada da família de “João de Souza” à
região. Cada habitante, cada família tem muitas histórias para contar. Aos
poucos elas vão sendo registradas e preservadas para que as futuras gerações
que herdarem o “Paraíso do Leste” saibam que foi com sangue, suor e lágrimas
que se construiu esse lugar.
Paraíso do
Leste está localizado nas seguintes coordenadas: 16°3'58"S e
54°9'53"W. A sede fica no entroncamento das rodovias estaduais MT-260 e MT
383. Fica às margens do Rio Paraíso.
Eis uma das
histórias que João de Sousa nos lega de suas lembranças...
Esse foi o
início de uma viagem em direção às luzes da Capital. Até então, João nunca
havia visto a luz elétrica. Hoje, o anormal é não pensar na vida sem
eletricidade, mas naqueles tempos do menino João, a luz elétrica era um
milagre. Era como se fosse magia. E isso encantava os olhos do pequeno
cearense.
Mala arrumada,
João estava pronto para a viagem. Segundo diz o cantor Tomaz de Aquino, para o
cearense “a mala é um saco e o cadeado é
um nó”. E aqui no Mato Grosso dos anos cinqüenta, não era muito diferente.
Os melhores de bolso possuíam “malotes”; os demais usavam os “sacos de açúcar”. Atrelando dois sacos
dava para colocar atravessado no arreio da montaria, quando se viajava a
cavalo, ou jogado nos ombros, quando se viajava a pé.
Em sua viagem, João
seguiu pelo percurso da atual MT-383, que liga Paraíso do Leste a Rondonópolis,
MT. Mas ainda não havia uma rodovia; era uma estrada cavaleira de um trilho, às
vezes dois, que cortava o cerrado; já nas proximidades de Jarudore, o caminho
penetrava mata adentro, a densa mataria que marginava o Rio Vermelho.
João fez a
viagem a cavalo, em companhia de um morador do lugar que estava indo até a
cidade de Rondonópolis para buscar a família.
Rondonópolis
nessa época era muito pequena. Embora houvesse um traçado de cidade, o
movimento ocorria apenas em uma rua, a “Marechal Rondon” (atual avenida), onde
ficava o Posto Telegráfico e a Casa da Missão Neotestamentária. A Igreja
Evangélica Neotestamentária foi a primeira do gênero a se instalar em
Rondonópolis. As casas eram de taipa,
cobertas de palha; havia muitos botequinhos. O comércio ainda era mesmo bem
fraco. João tinha uma tia que morava ali e que tocava um bolicho – um pequeno
boteco onde se vende cachaça, comida enlatada e outros produtos alimentícios;
uma pequena mercearia. Seu companheiro de viagem o deixou ali, onde permaneceu
alguns dias, até que a tia lhe arrumou uma carona com um caminhoneiro que ia
para as bandas de Cuiabá.
No caminho para
a Capital, o motorista parou no Rio São Lourenço, já pelas duas horas da tarde,
onde havia um restaurante. Ali também havia umas mulheres e o motorista se
enroscou com uma e desceu para as bandas do rio, onde havia uma cachoeirinha,
deixando-o na porta do restaurante. Ali entrava e saia gente para comer e às
vezes saíam comendo e ele sem poder comer nada porque estava sem “um tostão no bolso”.
Como o
motorista demorava a voltar ele resolveu se aproximar de um jipeiro, ao qual
contou sua história e pediu uma carona para Cuiabá. Ganhou a carona e foi
embora. Na chegada de Cuiabá, onde nunca tinha ido, disse ao motorista que só
tinha o endereço, mas este, alma gentil, disse que o deixaria na casa de seu
irmão José de Souza, na Rua 24 de Outubro 1126, em frente ao 16 BC. No entanto,
pegando a rua, não havia o número. Perto de onde deveria ser o referido número havia
um quiosque onde ele parou e pediu informação. O homem do quiosque, que
conhecia seu irmão, indicou-lhe a casa de seu irmão. Agradeceu ao jipeiro e ao
quiosqueiro e foi bater na casa indicada. Chamou, mas ninguém atendeu. Voltou
ao quiosque e disse ao dono que não havia ninguém na casa, porque batera e
ninguém respondera. Mas o senhor mandou que ele insistisse porque ele mesmo
tinha visto seu irmão entrar na casa. E disse mais: “E é seu irmão mesmo, porque ele se parece muito com você: a cara de um
é o focinho do outro”. Então voltou à casa, bateu mais forte e chamou:
“Zé!!!”Finalmente seu irmão apareceu e o recebeu com alegria.
João ficou em
Cuiabá por muitos anos antes de voltar para Poxoréu. Após os estudos secundaristas
foi para o seminário salesiano. Formou-se professor em Filosofia e Ciências
Naturais. Em Poxoréu, foi Diretor e professor de diversas escolas como a
Fernando Correia da Costa, Otaniba da Silva Ribeiro, Juracy Macedo e César
Albisetti. Trabalhou para o Estado de Mato Grosso até se aposentar, lecionando
diversas disciplinas, mas principalmente Matemática. Durante sua vida neste
Município tem exercido diversos cargos em comissão, dentre os quais o de
Secretário Municipal de Educação e Cultura e de Delegado Regional de Educação e
Cultura. Foi Redator e Diretor do Jornal A Voz de Poxoréu. Em 31 de março de
1988 foi um dos co-fundadores da UPE – União Poxorense de Escritores, tendo
ocupado diversos cargos na direção dessa entidade. Recebeu o título de Comendador
da Ordem de Dom Aquino Correia, outorgado a pessoas de destaque na área da
Educação em Mato Grosso. É membro efetivo da Ordem Memória Viva Pó-Ceréu.
Belíssimo relato sobre o distrito de Paraíso do Leste. Parabéns por incentivar os alunos a conhecerem a realidade dessas pequenas comunidades.
ResponderExcluirFrancisco