terça-feira, 17 de julho de 2012

João de Souza, o Comendador de Paraíso do Leste


João de Souza. Nasceu em 05 de abril de 1943, no município de Campos Sales, Ceará. Filho de João Manoel de Souza e Francisca Aurora de Alencar. É esposo de Sulene de Campos Rocha. Deixou sua terra natal com menos de um ano de idade, vindo para Paraíso do Leste com o segundo grupo de cearenses. O primeiro grupo viera em 1942/43. Nessa época, Paraíso do Leste estava sendo objeto de um projeto de colonização do Governo de Mato Grosso, então exercido pelo Interventor Cel. Júlio Muller e tinha por objetivo povoar a região marginal da estrada Cuiabá-Goiás que estava sendo aberta para promover a integração do Centro Oeste brasileiro.
Júlio Strübing Müller foi o trigésimo-terceiro governador de Mato Grosso. Casado com Maria de Arruda Müller. Foi governador do Mato Grosso, de 4 de outubro a 24 de novembro de 1937 e, imediatamente após, interventor federal, até de 8 de novembro de 1945.
No relato de Antonio Hilário Aguilera Urquiza publicado em: Tellus, ano 7, n. 12, p. 67-87, abr. 2007, Campo Grande – MS, sob o título “No meio do caminho havia os Bororo: Jarudori-MT, a diáspora e reterritorialização”,  a região de Paraíso do Leste era território Bororo, onde se encontrava instalada a aldeia Pobojári. Diz o pesquisador que a partir de 1930, o estado de Mato Grosso criou diversos núcleos de colonização para a ocupação de terras devolutas, entre as quais se incluía as terras indígenas. Observa ainda, citando o pesquisador Evangelista que, na década de 40, Mato Grosso foi o principal destinatário de uma campanha do regime populista de Getúlio Vargas denominada Marcha para o Oeste, com a qual se pretendia abrir uma nova fronteira: econômica, política, social, mas, sobretudo ideológica (Evangelista, 1996, p.166).
Getúlio queria tornar o interior do Brasil uma região habitada e produtiva economicamente. Para ele, os índios bororos que habitavam a região leste de Mato Grosso constituíam um entrave para a implantação dessa atividade política, por atacarem os viajantes que trafegavam pela velha estrada Cuiabá-Goiás e também os ranchos que se instalavam na região. Por isso precisavam ser neutralizados. Em seu discurso no Palácio das Laranjeiras, pela passagem do ano de 1937, Getúlio propagava as vantagens “deste oeste rico em recursos naturais e territoriais a serem conquistados”. A sua fala se dava, principalmente, em face de que o processo de garimpagem de diamantes na região leste de Mato Grosso estava em seus melhores momentos, incrementando sua população. O oeste brasileiro era o novo eldorado brasileiro que estava a espera dos desbravadores. Um paraíso à dos migrantes para ocupá-lo.
Argemiro Rodrigues Pimentel, cearense de Crato, que desde 1934 circulava pelos garimpos do leste mato-grossense, tomou conhecimento do projeto de colonização da região poxorense e, “espertamente se pôs à disposição de fazer o recrutamento de famílias cearenses que estivessem dispostas a deixar o seu Estado e virem para o Estado de Mato Grosso, tão grande, tão rico em terras férteis e tão pobre em mão de obra. (...) O conterrâneo Higino Viana se propôs tornar-se seu lugar-tentente no recrutamento de famílias, suas conterrâneas. Argemiro manteria os contatos com as autoridades, programaria as viagens e as recepções dos migrantes, mas não viajaria com eles. E assim aconteceu”. (SOUZA, João de. A Upenina. Juviniano Alencar Bezerra. Poxoréu, MT, Outubro de 2011, n. 4, p. 77).
A família de João de Souza, como todos os cearenses que vieram para a Colônia de Paraíso era de origem agrária, com vocação para o plantio de subsistência. Ali produziriam “muito arroz, milho, feijão, mandioca, farinha e criaram pequenos animais como porco e galinha” ((SOUZA, João. Op. Cit.).
É de observar, no entanto, que a chegada dos primeiros cearenses a Paraíso do Leste foi bastante traumática, principalmente em virtude dos dissabores da viagem, quando foram acometidos por doenças que ceifaram a vida de muitos. O Paraíso da chegada era infernal. Souza registra: “A chegada ali foi um pesadelo e o que veio ao espírito de cada um dos migrantes ali chegados foi o desespero, a desesperança e o sentimento de abandono. Nenhum conforto, local precário para se abrigar. Ali foram simplesmente largados à própria sorte. (...)Não havia o que comer. Os mosquitos ‘polvinhas’, borrachudos, abelhas e outros insetos faziam nuvens. As mordidas dos mosquitos causavam chagas, sobretudo nas crianças. Algumas morreram em conseqüência das picadas. Muitas famílias desesperadas passaram poucos dias naquele lugar inóspito a primeira vista e, não acreditando que naquele lugar, naquele momento, pudesse haver condições de uma vida digna, foram embora em direção a Poxoréu ou Lageado [Guiratinga](SOUZA, João. Op. Cit.).
Todavia, em que pesasse as dificuldades, muitos ficaram, lutaram e construíram um lugar aprazível para se viver às margens do Rio Paraíso – na época bastante piscoso, destacando-se as seguintes variedades de peixes: dourado, piau, surubim, pintado, grandes jaús, piraputanga, pacu. Nas suas matas ciliares habitava um rica fauna, destacando-se os seguintes espécimes: anta, capivara, paca, cutia, catete, queixada, onça. Esses animais foram caçados e serviram de alimentação aos primeiros colonos.
O povoado de Paraíso do Leste foi elevado à categoria de distrito pela Lei nº 681, de 11 de dezembro de 1953, nove anos após a chegada da família de “João de Souza” à região. Cada habitante, cada família tem muitas histórias para contar. Aos poucos elas vão sendo registradas e preservadas para que as futuras gerações que herdarem o “Paraíso do Leste” saibam que foi com sangue, suor e lágrimas que se construiu esse lugar.
Paraíso do Leste está localizado nas seguintes coordenadas: 16°3'58"S e  54°9'53"W. A sede fica no entroncamento das rodovias estaduais MT-260 e MT 383. Fica às margens do Rio Paraíso.
Eis uma das histórias que João de Sousa nos lega de suas lembranças...

Diz ele que, no dia 5 de março de 1957, quando tinha 14 anos de idade e ainda vivia em Paraíso do Leste, hoje um dos Distritos do Município de Poxoréu, MT, embrenhou-se em uma grande aventura. Duas semanas antes, quando estava capinando na roça, seu pai foi até lá e perguntou-lhe se não gostaria de ir para Cuiabá. Surpreso com a pergunta, pediu explicação e o pai lhe disse: “Seu irmão está lá e vive pedindo pra você ir ficar com ele e acho que é  melhor mesmo que você vá pra lá”. Então ele aceitou o convite.
Esse foi o início de uma viagem em direção às luzes da Capital. Até então, João nunca havia visto a luz elétrica. Hoje, o anormal é não pensar na vida sem eletricidade, mas naqueles tempos do menino João, a luz elétrica era um milagre. Era como se fosse magia. E isso encantava os olhos do pequeno cearense.
Mala arrumada, João estava pronto para a viagem. Segundo diz o cantor Tomaz de Aquino, para o cearense “a mala é um saco e o cadeado é um nó”. E aqui no Mato Grosso dos anos cinqüenta, não era muito diferente. Os melhores de bolso possuíam “malotes”; os demais usavam os “sacos de açúcar”. Atrelando dois sacos dava para colocar atravessado no arreio da montaria, quando se viajava a cavalo, ou jogado nos ombros, quando se viajava a pé.
Em sua viagem, João seguiu pelo percurso da atual MT-383, que liga Paraíso do Leste a Rondonópolis, MT. Mas ainda não havia uma rodovia; era uma estrada cavaleira de um trilho, às vezes dois, que cortava o cerrado; já nas proximidades de Jarudore, o caminho penetrava mata adentro, a densa mataria que marginava o Rio Vermelho.
João fez a viagem a cavalo, em companhia de um morador do lugar que estava indo até a cidade de Rondonópolis para buscar a família.
Rondonópolis nessa época era muito pequena. Embora houvesse um traçado de cidade, o movimento ocorria apenas em uma rua, a “Marechal Rondon” (atual avenida), onde ficava o Posto Telegráfico e a Casa da Missão Neotestamentária. A Igreja Evangélica Neotestamentária foi a primeira do gênero a se instalar em Rondonópolis.  As casas eram de taipa, cobertas de palha; havia muitos botequinhos. O comércio ainda era mesmo bem fraco. João tinha uma tia que morava ali e que tocava um bolicho – um pequeno boteco onde se vende cachaça, comida enlatada e outros produtos alimentícios; uma pequena mercearia. Seu companheiro de viagem o deixou ali, onde permaneceu alguns dias, até que a tia lhe arrumou uma carona com um caminhoneiro que ia para as bandas de Cuiabá.
No caminho para a Capital, o motorista parou no Rio São Lourenço, já pelas duas horas da tarde, onde havia um restaurante. Ali também havia umas mulheres e o motorista se enroscou com uma e desceu para as bandas do rio, onde havia uma cachoeirinha, deixando-o na porta do restaurante. Ali entrava e saia gente para comer e às vezes saíam comendo e ele sem poder comer nada porque estava sem “um tostão no bolso”.
Como o motorista demorava a voltar ele resolveu se aproximar de um jipeiro, ao qual contou sua história e pediu uma carona para Cuiabá. Ganhou a carona e foi embora. Na chegada de Cuiabá, onde nunca tinha ido, disse ao motorista que só tinha o endereço, mas este, alma gentil, disse que o deixaria na casa de seu irmão José de Souza, na Rua 24 de Outubro 1126, em frente ao 16 BC. No entanto, pegando a rua, não havia o número. Perto de onde deveria ser o referido número havia um quiosque onde ele parou e pediu informação. O homem do quiosque, que conhecia seu irmão, indicou-lhe a casa de seu irmão. Agradeceu ao jipeiro e ao quiosqueiro e foi bater na casa indicada. Chamou, mas ninguém atendeu. Voltou ao quiosque e disse ao dono que não havia ninguém na casa, porque batera e ninguém respondera. Mas o senhor mandou que ele insistisse porque ele mesmo tinha visto seu irmão entrar na casa. E disse mais: “E é seu irmão mesmo, porque ele se parece muito com você: a cara de um é o focinho do outro”. Então voltou à casa, bateu mais forte e chamou: “Zé!!!”Finalmente seu irmão apareceu e o recebeu com alegria.
João ficou em Cuiabá por muitos anos antes de voltar para Poxoréu. Após os estudos secundaristas foi para o seminário salesiano. Formou-se professor em Filosofia e Ciências Naturais. Em Poxoréu, foi Diretor e professor de diversas escolas como a Fernando Correia da Costa, Otaniba da Silva Ribeiro, Juracy Macedo e César Albisetti. Trabalhou para o Estado de Mato Grosso até se aposentar, lecionando diversas disciplinas, mas principalmente Matemática. Durante sua vida neste Município tem exercido diversos cargos em comissão, dentre os quais o de Secretário Municipal de Educação e Cultura e de Delegado Regional de Educação e Cultura. Foi Redator e Diretor do Jornal A Voz de Poxoréu. Em 31 de março de 1988 foi um dos co-fundadores da UPE – União Poxorense de Escritores, tendo ocupado diversos cargos na direção dessa entidade. Recebeu o título de Comendador da Ordem de Dom Aquino Correia, outorgado a pessoas de destaque na área da Educação em Mato Grosso. É membro efetivo da Ordem Memória Viva Pó-Ceréu.

Um comentário:

  1. Belíssimo relato sobre o distrito de Paraíso do Leste. Parabéns por incentivar os alunos a conhecerem a realidade dessas pequenas comunidades.

    Francisco

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